O Absurdo das Casas Vazias em Tempos de Crise Habitacional
Nos últimos censos realizados em Portugal em 2021, foram contabilizados 5 970 655 alojamentos familiares clássicos, o que representa face ao período censitário anterior realizado em 2011, um aumento de 1,9%.
Neste conjunto foi possível apurar que 69% (4,1M) são alojamentos de residência habitual, 18% (1,1M) residência secundária e 12% (723k) são alojamentos vagos.
Ainda recorrendo aos Censos de 2021, é possível apurar que existem em Portugal 4 149 096 agregados domésticos privados, sendo que destes 25% (1M) são agregados domésticos unipessoais. A dimensão média dos agregados privados é de 2,5 pessoas.
Relacionando ambos os indicadores, entre o número de alojamentos e os agregados domésticos privados existentes facilmente percebemos que num mundo perfeito os alojamentos de residência habitual são suficientes para os agregados existentes.
Problema resolvido!
Mas, será assim tão simples? Não será certamente, pois as notícias que surgem diariamente sobre as dificuldades em encontrar imóveis disponíveis são constantes.
É certo que uma equação tão simples, como a que vimos acima, não tem em conta as compras de imóveis por parte de estrangeiros não residentes, nem a distribuição da população pelo território nacional.
Atualmente a compra de casa por estrangeiros representa cerca de 12% do total de imóveis vendidos em Portugal, o que equivale a aproximadamente 30 mil imóveis por ano. Por outro lado, temos um país desigual no que toca à distribuição da população, existindo forte densidade populacional no litoral e uma crescente desertificação no interior.
Portugal tem um problema: milhares de casas estão vazias
Apesar de haver uma grande procura por habitação, muitas casas permanecem fechadas. Com base nos dados dos censos, é possível apurar um quadro preocupante sobre a situação da habitação no nosso país.
O que dizem os números?
Em 2021, mais de 723 mil casas familiares estavam vazias. Muitas destas casas poderiam ser utilizadas, mas encontram-se abandonadas por diversas razões:
- Espectativa de lucros maiores: Em zonas com muita procura, os proprietários preferem esperar por um preço mais alto no futuro ou transformar as casas em alojamentos locais.
- Processos burocráticos: Obras de reabilitação ou questões relacionadas com heranças podem atrasar a ocupação das casas.
- Falta de manutenção: Algumas casas estão em mau estado de conservação.
Alojamentos familiares clássicos vagos | 1970 | 1981 | 1991 | 2001 | 2011 | 2021 |
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Mercado venda ou arrendamento | 127.615 | 80.392 | 135.198 | 185.509 | 274.966 | 348.097 |
Outros motivos | 368.100 | 109.939 | 305.093 | 358.268 | 460.162 | 375.118 |
Total | 495.715 | 190.331 | 440.291 | 543.777 | 735.128 | 723.215 |
Tabela 1- Alojamentos familiares clássicos vagos; Fonte: INE
Mas a maioria das casas vazias está em condições de ser habitada.
Surpreendentemente, mais de dois terços das casas vazias estão em edifícios que não precisam de grandes obras ou que só necessitam de pequenas reparações. Isto significa que há um grande número de casas prontas a ser ocupadas, mas que se encontram abandonadas.
Porque é que isto é um problema?
- Crise da habitação: A falta de casas disponíveis para arrendar ou comprar contribui para a subida dos preços e dificulta o acesso à habitação para muitas famílias;
- Desperdício de recursos: Manter casas vazias é um desperdício de recursos e pode levar ao deterioramento e desvalorização do património;
- Impacto nas comunidades: Casas vazias podem contribuir para a degradação de bairros e ter um impacto negativo na qualidade de vida das pessoas.
Edifícios com alojamentos familiares clássicos vagos em 2021 a necessitar de reparação | Total de alojamentos correspondentes |
---|---|
Necessita reparações ligeiras | 174.034 |
Necessita reparações médias | 128.835 |
Necessita reparações profundas | 108.919 |
Não necessita reparações | 311.427 |
Total | 723.215 |
Tabela 2- Edifícios com alojamentos familiares a necessitar reparação; Fonte: INE
O que se pode fazer?
É urgente encontrar soluções para este problema. Algumas medidas que podem ser tomadas incluem:
- Incentivos fiscais: Oferecer incentivos fiscais para os proprietários que arrendarem as suas casas a preços acessíveis;
- Agilizar processos burocráticos: Simplificar os processos de licenciamento para obras de reabilitação;
- Criar um cadastro nacional de imóveis vazios: Ter uma base de dados com informação sobre todas as casas vazias pode ajudar a identificar as causas do problema e a encontrar soluções mais eficazes.
A existência de tantas casas vazias é um sinal de que algo não está a funcionar bem no nosso mercado de habitação. É necessário agir rapidamente para garantir que todos tenham acesso a uma habitação digna e a preços acessíveis.
Um Olhar para o Interior e o Litoral
O problema das habitações vazias em Portugal é mais complexo do que aparenta à primeira vista. Embora a existência de milhares de casas desocupadas seja um dado alarmante, a distribuição geográfica deste fenómeno revela um desequilíbrio significativo entre o litoral e o interior do país.
Este mapa mostra a taxa de alojamentos familiares clássicos vagos, por município, em 2021. Tendo em conta as frequências identificadas no topo inferior direito da imagem, constata-se que a taxa média nacional de alojamentos familiares clássicos vagos era de 12,1% e que em mais de metade dos municípios portugueses do continente e regiões autónomas, pelo menos 1 em cada 7 fogos estava vazio em 2021.
É pertinente saber até que ponto é que esta tão elevada percentagem de fogos vazios pode ser explicada pelo estado de conservação dos edifícios onde se situam.
Outro dado que podemos aferir a partir do mapa é que no litoral a percentagem de imóveis vagos varia entre 5 e 10%, ao contrário do interior onde o percentual de imóveis vagos é entre 12 e 20%, ou seja, acima da média nacional.
O Litoral: Um Íman para a População e um Campo de Batalha Imobiliário
As regiões costeiras de Portugal, especialmente as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, concentram a maior parte da população e da atividade económica do país. Essa concentração populacional gera uma pressão enorme sobre o mercado imobiliário, impulsionando a procura por habitação e, consequentemente, a valorização dos imóveis. Temos mais pessoas, mas menos imóveis vagos disponíveis para colocar no mercado, a que se acrescentam outros fatores que influenciam o desequilíbrio:
- Alojamento Local: A proliferação do alojamento local, especialmente em zonas turísticas, tem contribuído para a redução da oferta de habitação para residentes, elevando ainda mais os preços dos arrendamentos;
- Especulação Imobiliária: A expectativa de lucros rápidos tem levado muitos proprietários a manterem as suas casas vazias, à espera de oportunidades de venda a preços mais elevados;
- Gentrificação: A valorização dos imóveis nas zonas centrais das cidades tem expulsado os residentes de longa data, transformando bairros históricos em áreas cada vez mais elitizadas.
O Interior: Um Despovoamento Crescente e um Património Desperdiçado
Em contrapartida, o interior do país enfrenta um processo de despovoamento crónico, com o encerramento de escolas, hospitais e outros serviços essenciais. Muitas aldeias e pequenas localidades estão a envelhecer e a perder população, o que leva ao abandono de casas e edifícios, logo, um percentual de imóveis vagos superior à população existente. Alguns fatores que influenciam estes indicadores:
- Heranças não declaradas: A falta de conhecimento sobre a existência de herdeiros ou a complexidade dos processos de inventário contribuem para o aumento do número de casas vazias no interior;
- Dificuldades de acesso: A falta de infraestruturas, como estradas e transportes públicos, torna o interior menos atrativo para novos habitantes;
- Falta de investimento: A ausência de políticas públicas que incentivem a fixação de população no interior e a reabilitação do património edificado agrava a situação.
O Desequilíbrio e Seus Impactos
O desequilíbrio entre o litoral e o interior do país acarreta consequências significativas para a sociedade portuguesa. A concentração populacional nas zonas costeiras, especialmente nas grandes áreas metropolitanas, intensifica a procura por habitação, elevando os preços e limitando o acesso a uma casa própria para muitos cidadãos. Paralelamente, o interior sofre com o despovoamento, o abandono de casas e a deterioração e desvalorização do património. Essa disparidade regional acentua as desigualdades sociais, uma vez que as oportunidades de emprego, os serviços públicos e a qualidade de vida variam significativamente entre as duas regiões. Além disso, o abandono de práticas agrícolas tradicionais no interior contribui para a perda de biodiversidade e para a degradação ambiental.
Para reverter este cenário, é preciso adotar um conjunto de medidas que promovam um desenvolvimento mais equilibrado do território. É fundamental implementar políticas de habitação que garantam a oferta de arrendamento acessível e incentivem a reabilitação do parque habitacional, especialmente no interior. A criação de incentivos fiscais para proprietários que arrendem os seus imóveis a preços acessíveis ou para quem investir na recuperação de edifícios históricos pode impulsionar a reativação de áreas urbanas estagnadas. A melhoria das infraestruturas de transporte e comunicação no interior é crucial para reduzir as distâncias e facilitar o acesso a serviços e oportunidades. A promoção do teletrabalho, por sua vez, permite que as pessoas trabalhem remotamente, reduzindo a necessidade de se deslocarem para os grandes centros urbanos e incentivando a fixação de população no interior. Por fim, a valorização do património cultural e natural do interior, através de projetos de turismo sustentável, pode atrair novos investimentos e gerar emprego.
A questão das habitações vazias em Portugal é um problema complexo que exige uma abordagem integrada e a longo prazo. É preciso reconhecer a importância de um desenvolvimento territorial equilibrado, que promova a coesão social e territorial e garanta o acesso a uma habitação digna para todos os cidadãos. Ao analisar a distribuição geográfica deste fenómeno, percebemos que o desequilíbrio entre litoral e interior é um fator determinante. É fundamental encontrar soluções que promovam uma distribuição mais equilibrada da população e que garantam o acesso a uma habitação digna para todos os cidadãos.