Casa da Escassez

A Imperfeição do Mercado Imobiliário

No artigo anterior foi possível verificar que a escassez de imóveis per si, é uma falácia.

Nesse sentido cabe perguntar, há falta de imóveis para as pessoas ou agregados familiares existentes em Portugal?

Teoricamente, não, pois como vimos, segundo os censos de 2021 existem 4,1 milhões de imóveis como habitação habitual (ou habitação permanente) para 4,1 milhões de agregados domésticos particulares.

Parte do problema reside nas assimetrias do território e na distribuição da população pelo mesmo. Para além disso, não estão contabilizadas as habitações adquiridas por estrangeiros sem residência habitual, que anualmente representam 12% das transações anuais, o que equivale a algo entre os 20 e os 30 mil imóveis transacionados anualmente.

De facto, a assimetria na distribuição da população vem reforçar a forma como o mercado imobiliário é caracterizado e contribuir para a conclusão de que este não é um mercado eficiente, ou perfeito.

Mercado Perfeito: um ideal económico

O conceito de mercado perfeito, ou perfeitamente eficiente, representa um modelo teórico idealizado em economia. Nesse cenário, a concorrência entre empresas é máxima e os consumidores dispõem de toda a informação necessária para tomar decisões de compra.

Características do Mercado Perfeito:

  • Bens e serviços homogéneos: Todos os produtos ou serviços oferecidos no mercado são idênticos em qualidade, características e função. Isso significa que os consumidores não têm preferência por uma marca específica, já que todas as opções são perfeitamente substituíveis. Essa homogeneidade garante que o preço seja o único fator determinante na escolha do consumidor. Exemplo: mercado do café de cápsulas;
  • Grande número de compradores e vendedores: A presença de muitos compradores e vendedores no mercado impede que qualquer indivíduo ou empresa tenha poder de mercado para influenciar os preços. A grande quantidade de participantes garante que a oferta e a procura se equilibrem rapidamente, evitando a formação de monopólios ou oligopólios. Exemplo: mercado automóvel;
  • Informação perfeita: Todos os participantes do mercado possuem acesso a todas as informações relevantes sobre os produtos, preços e condições de mercado. Essa transparência total permite que os consumidores comparem preços e escolham as melhores opções, enquanto as empresas ajustam suas estratégias de acordo com a procura. Exemplo: Mercado de ações;
  • Ausência de regulamentação governamental: O mercado perfeito funciona livre de qualquer interferência estatal. Não há leis ou regulamentos que limitem a entrada de novas empresas no mercado ou que controlem os preços. Essa liberdade permite que a concorrência seja máxima e que os preços sejam determinados exclusivamente pelas forças de mercado.
  • Preços baixos e estáveis: A intensa concorrência entre as empresas leva a preços baixos e estáveis. As empresas são forçadas a oferecer preços competitivos para atrair consumidores, e qualquer tentativa de aumentar os preços acima do nível de mercado seria rapidamente punida pela perda de clientes para os concorrentes.
  • Facilidade de fornecimento e transporte: A produção e a distribuição dos bens e serviços são eficientes e de baixo custo. Não há barreiras à entrada de novas empresas no mercado, e os custos de transporte são baixos, permitindo que os produtos cheguem aos consumidores de forma rápida e econômica.
  • Equilíbrio entre oferta e procura: No mercado perfeito, a quantidade de bens e serviços produzidos é exatamente igual à quantidade demandada pelos consumidores. Isso significa que não há excesso de oferta nem escassez de produtos, garantindo a satisfação das necessidades dos consumidores.

 

Importância do Conceito:

Embora o mercado perfeito seja um modelo teórico idealizado, ele serve como um ponto de referência para analisar o funcionamento de mercados reais. Ao comparar os mercados reais com o modelo perfeito, é possível identificar as imperfeições existentes e avaliar o grau de concorrência em diferentes setores da economia.

Limitações do Modelo:

É importante ressaltar que o mercado perfeito é uma simplificação da realidade. Na prática, a maioria dos mercados apresenta algum grau de imperfeição, como a existência de produtos diferenciados, barreiras à entrada de novas empresas e assimetrias de informação. No entanto, o modelo do mercado perfeito continua a ser uma ferramenta útil para a análise económica e para a formulação de políticas públicas. Não existem mercados 100% perfeitos, mas há mercados muito próximos disso, tais como: commodities agrícolas; bolsa de valores, são dois exemplos práticos que têm poucas imperfeições.

Onde se insere o mercado imobiliário nesta caracterização

O mercado imobiliário é um mercado imperfeito, tendo em conta vários fatores, como a grande diferenciação nos preços, desfasamento muito acentuado entre o custo de produção e o produto final, forte regulamentação governamental, custos de informação e comunicação muito altos e a oferta não coincide com a procura.

Neste tipo de mercado a informação assume um papel fundamental, e quem a possui acaba por ter uma vantagem face aos demais. Nesse sentido, os mediadores imobiliários ganham uma preponderância neste mercado imperfeito, ao terem acesso a informação que o público em geral não tem. É por isso importante que quem opera neste mercado tenha elevada competência e profissionalismo e um kow-how considerável por forma a minimizar a imperfeição do mercado.

Podemos definir a imperfeição do mercado imobiliário através de 12 características que ilustram a realidade e que justificam alguns dos problemas habitacionais existentes:

  1. Fixidez – bem imóvel, logo a localização influencia o preço do bem;
  2. Heterogeneidade – os imóveis são heterogéneos, com características diferentes, pelo que não há imóveis rigorosamente iguais, mas sim similares;
  3. Inflexibilidade – o bem imóvel tem um custo unitário elevado, tendo de ser adquirido como um todo e não apenas uma parte;
  4. Iliquidez – alto valor dos ativos imobiliários, com trâmites burocráticos complicados e com um tempo de resposta do mercado lento, sendo o tempo médio de transação longo;
  5. Descontinuidade – baixo número de transações. A taxa de rotação média de imóveis anual é de 3%, ou seja, são transacionados em média 180 mil imóveis por ano;
  6. Sensibilidade e posições dominantes – no mesmo local, mesmo tipo de imóvel dentro de um intervalo de preços, existindo poucos compradores e vendedores;
  7. Rigidez – forte rigidez do lado da oferta, devido à limitação do solo, processo de construção complexo e moroso, a oferta não coincide com a procura devido ao tempo de construção, sendo que na fase final da construção a oferta já pode ter sido satisfeita;
  8. Dispersão – não existe um local central para a transação de imóveis, sendo que a informação desses locais não chega atempadamente aos compradores;
  9. Opacidade – a informação é escassa e reservada, sendo que na maioria a informação é confidencial, o mecanismo de formação de preços não é transparente, existem demasiadas variáveis que influenciam o valor do imóvel, péssima organização administrativa, não existindo registo centralizado de toda a informação, assim como não há certeza sobre o preço real das transações;
  10. Hermetismo – é um mercado complexo, demasiado regulamento, onde apenas os bons profissionais se encontram bem preparados e conseguem oferecer um serviço de excelência. A legislação é contraditória e dispersa, assim como a literatura especializada;
  11. Hiper regulação – não existe autorregulação, sendo a entrada e saída do mercado altamente limitada por várias restrições políticas, legais e fiscais;
  12. Volatilidade – bens altamente influenciáveis por externalidades locais, regionais, nacionais e internacionais.

A Crise Habitacional em Portugal:
Um Desafio a Ser Superado com Soluções Inovadoras

A crise habitacional em Portugal é um problema complexo e multifacetado que exige soluções urgentes e abrangentes. Pegando nas principais características deste mercado imperfeito, desde a heterogeneidade do mercado imobiliário, a rigidez da legislação, a falta de transparência e a concentração da oferta em determinados segmentos, como o turismo, têm contribuído para um aumento acentuado dos preços da habitação e dificultado o acesso a um lar digno para muitos portugueses. As consequências sociais desta crise são significativas, manifestando-se na segregação espacial, na precariedade habitacional e na dificuldade em conciliar vida profissional e familiar.

Para enfrentar este desafio, é necessário um conjunto de medidas ambiciosas e coordenadas, que abranjam desde a construção de mais habitação pública e a criação de incentivos fiscais para a construção de habitação a preços acessíveis, até à promoção da reabilitação urbana e à implementação de políticas de contenção de rendas em zonas de alta procura. A reabilitação urbana, em particular, surge como uma solução estratégica para valorizar o património edificado, melhorar a qualidade de vida dos habitantes e promover a criação de comunidades mais coesas e inclusivas. Ao reabilitar edifícios antigos, não só se preserva a memória e a identidade das cidades, como se contribui para a sustentabilidade ambiental, através da redução do consumo de energia e de recursos.

A sustentabilidade deve ser um pilar fundamental em todas as políticas de habitação. A construção de edifícios com alta eficiência energética, a utilização de materiais de construção sustentáveis e a promoção da mobilidade sustentável são essenciais para mitigar os efeitos das alterações climáticas e garantir um futuro mais sustentável para as próximas gerações. Além disso, a reabilitação urbana integrada, que combina a intervenção física nos edifícios com a revitalização dos espaços públicos e a criação de serviços locais, pode contribuir para a criação de comunidades mais dinâmicas e resilientes.

As fintechs, por sua vez, podem desempenhar um papel crucial na transformação do mercado imobiliário. Através de plataformas digitais, as fintechs podem facilitar a procura e a gestão de imóveis, aumentar a transparência das transações e oferecer soluções de financiamento inovadoras. A utilização de tecnologias como a inteligência artificial e o blockchain pode otimizar processos, reduzir custos e aumentar a eficiência do mercado.

A comparação com outros países da Europa revela que Portugal enfrenta desafios semelhantes, mas também apresenta especificidades. Países como a Áustria e os Países Baixos têm investido em políticas de habitação a longo prazo, com resultados positivos em termos de acesso à habitação e de estabilidade dos preços. A experiência destes países pode servir de inspiração para Portugal, mas é fundamental adaptar as soluções às realidades nacionais.

O papel do Estado é crucial neste processo. Através de políticas públicas, o Estado pode definir as regras do jogo, incentivar a oferta de habitação, investir em habitação pública e promover a cooperação entre os diferentes níveis de governo. A participação da sociedade civil e a realização de consultas públicas são essenciais para garantir que as soluções implementadas sejam adequadas às necessidades da população.

Em suma, a crise habitacional em Portugal exige uma abordagem multifacetada e inovadora. A combinação de políticas públicas ambiciosas, investimentos em reabilitação urbana, promoção da sustentabilidade e utilização de tecnologias digitais pode contribuir para a construção de um futuro mais justo e equitativo, onde todos tenham acesso a um lar digno e seguro.

 

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