Métodos, Regulação e Impacto no Mercadoo
1. Introdução
A avaliação imobiliária consiste num procedimento técnico e independente que determina o valor de um imóvel com base em múltiplos fatores, como as características físicas (dimensão, localização, estado de conservação), o contexto económico (oferta, procura, conjuntura financeira), as condicionantes legais (servidões, licenças, uso do solo) e aspectos ambientais (proximidade de áreas protegidas, riscos naturais). Em Portugal, este processo tem implicações diretas em áreas como a concessão de crédito bancário, a tributação (por exemplo, IMT e IMI), a gestão de ativos e a resolução de litígios.
Para assegurar a credibilidade e a transparência das avaliações, foi aprovada a Lei n.º 153/2015, que regula o acesso e exercício dos peritos avaliadores de imóveis que prestem serviços a entidades do sistema financeiro em Portugal. Esta lei clarifica os requisitos de acesso à profissão, estipula a necessidade de filiação em associações profissionais (reconhecidas pelas autoridades competentes) e impõe a contratação de seguros de responsabilidade civil, entre outras obrigações. Em paralelo, os avaliadores portugueses adotam normativas internacionais que elevam o rigor dos relatórios de avaliação, nomeadamente:
- European Valuation Standards (EVS), publicadas pela TEGOVA (The European Group of Valuers’ Associations), que fornecem diretrizes europeias sobre terminologia, critérios e boas práticas de avaliação;
- RICS Valuation – Global Standards (Red Book), emitido pela Royal Institution of Chartered Surveyors, cuja aplicação é reconhecida mundialmente e cuja adoção é frequente em Portugal, particularmente em avaliações para entidades financeiras ou investidores internacionais.
No quadro normativo nacional, a Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) também emite orientações e boas práticas, contemplando métodos de avaliação que os peritos devem seguir em determinados contextos (especialmente em processos de expropriação ou avaliação patrimonial do Estado).
Um ponto relevante é que existem algumas diferenças entre as entidades no número de métodos de avaliação geralmente aceites:
- DGTF (Portugal): 5 métodos formais
- Método Comparativo de Mercado
- Método do Custo
- Método do Rendimento
- Método Residual
- Método do Valor de Utilização
- TEGOVA (European Valuation Standards): 4 métodos
- Método Comparativo de Mercado
- Método do Custo
- Método do Rendimento
- Método Residual
- RICS (Red Book): 3 métodos
- Método Comparativo de Mercado
- Método do Custo
- Método do Rendimento
Apesar desta variação, o essencial é que os processos de avaliação devem pautar-se pelo rigor, pela fundamentação técnica e pela isenção, para que o valor reportado reflita, tanto quanto possível, o valor “real” e adequado do imóvel no mercado.
É igualmente necessário distinguir a avaliação imobiliária formal, realizada por peritos legalmente habilitados, de uma Análise Comparativa de Mercado (ACM), comumente feita por consultores ou agentes imobiliários para dar uma estimativa rápida de valor ao cliente. Embora a ACM seja útil como instrumento de marketing e de definição de preço de colocação no mercado, não segue padrões técnicos oficiais e não tem, por si, validade jurídica.
2. Métodos de Avaliação Imobiliária
A escolha do método mais adequado depende do tipo de imóvel, do objetivo da avaliação (financiamento bancário, partilhas, compra e venda, contencioso, etc.) e da disponibilidade de dados. Em Portugal, os peritos avaliadores podem recorrer aos cinco métodos descritos nas normas da DGTF, podendo também alinhar os seus relatórios com as orientações da TEGOVA e da RICS. Segue-se uma síntese dos principais métodos.
2.1. Método Comparativo de Mercado
Princípio fundamental
Este método baseia-se na análise de transações efetivamente ocorridas para imóveis semelhantes, na mesma zona ou em localização com características comparáveis. A avaliação fundamenta-se em valores de mercado recentes, fazendo ajustamentos para refletir diferenças na área, acabamentos, estado de conservação, data da venda, entre outros aspetos.
Aplicação
É amplamente utilizado em imóveis residenciais (apartamentos, moradias, terrenos para construção em zonas urbanas consolidadas) e noutros ativos onde existam dados de mercado semelhantes e recentes.
Vantagens
- Reflexo direto do comportamento real do mercado;
- Simplicidade e clareza para o cliente, pois as comparações são intuitivas;
- Menor margem de erro quando existe um histórico adequado de transações.
Limitações
- Pode ser difícil obter dados fiáveis e comparáveis em certas localizações ou quando o imóvel é muito específico (propriedades de luxo, edifícios históricos ou rurais);
- Em contextos de mercado muito voláteis, os preços de referência podem rapidamente tornar-se desajustados.
2.2. Método do Custo
Princípio fundamental
O valor do imóvel é calculado com base nos custos de construção ou de substituição, considerando a depreciação acumulada por fatores como a idade do edifício, o estado de conservação e a obsolescência funcional. A soma do valor do terreno (estimado, por exemplo, por via comparativa) com o custo de construção (ajustado à depreciação) determina o valor global.
Aplicação
Usado em imóveis industriais, edifícios sem mercado direto ou património histórico (caso não existam transações comparáveis). Além disso, é um método relevante para avaliações de seguros (determinar o valor de reconstrução), pois estas se focam no custo efetivo de reposição.
Vantagens
- Adequado para propriedades únicas, onde não existam dados de mercado;
- Fornece uma noção aproximada dos custos de reconstrução, útil em seguros ou em análises de viabilidade.
Limitações
- Pode não refletir a procura nem as dinâmicas de oferta, subestimando ou sobrestimando o valor “comercial”;
- A depreciação nem sempre é linear, e requer cálculos cuidados, incluindo a depreciação económica, funcional e estética.
2.3. Método do Rendimento
Princípio fundamental
Avalia o imóvel segundo a capacidade de gerar rendimentos futuros, capitalizados a uma taxa de retorno adequada (taxa de capitalização). Para tal, é necessário projetar receitas (rendas) e despesas (manutenção, impostos, seguros, taxas) e calcular o valor presente líquido do fluxo de caixa.
Aplicação
Frequentemente usado em edifícios comerciais, escritórios, imóveis destinados a arrendamento habitacional e, em geral, em quaisquer ativos cujo principal interesse é a rentabilidade. É fundamental para investidores e entidades financeiras.
Vantagens
- Centra-se na rentabilidade efetiva do imóvel, permitindo comparar ativos concorrentes num portefólio de investimento;
- Adequado a analisar a viabilidade de negócios imobiliários, pois liga o valor ao retorno potencial.
Limitações
- Exige projeções fiáveis das receitas e custos futuros, algo complexo quando há incerteza económica ou mudanças no mercado de arrendamento;
- A taxa de capitalização escolhida (o “cap rate”) pode introduzir subjetividade, dependendo do perfil de risco assumido pelo investidor.
2.4. Método Residual
Princípio fundamental
Utilizado em terrenos ou projetos de desenvolvimento (promoção imobiliária). Parte do valor de venda potencial do futuro empreendimento (habitações, escritórios, retalho, etc.) e desconta-se os custos de construção, as despesas de marketing, os encargos financeiros e a margem de lucro do promotor. O resultado (valor residual) reflete a quantia máxima que se poderá pagar pelo terreno para que o projeto seja viável.
Aplicação
- Avaliação de terrenos para construção, sobretudo quando existem planos ou possibilidades concretas de desenvolvimento;
- Análise de projetos de reabilitação urbana, onde se estima o valor final do ativo reabilitado e se comparam custos.
Vantagens
- Essencial para promotores e investidores estimarem o retorno em projetos de construção ou reabilitação;
- Auxilia na negociação de terrenos ao dar uma base de quanto se pode “oferecer” sem comprometer a rentabilidade.
Limitações
- Muito sensível a alterações nas variáveis (custos de construção, taxas de juro, valor de venda futuro), o que implica grande rigor nas estimativas;
- Em mercados voláteis, a margem de erro pode ser considerável se houver oscilações de preço ou custos de obra acima do previsto.
2.5. Método do Valor de Utilização
Princípio fundamental
Aplica-se a imóveis cujo valor está intrinsecamente ligado à sua função e não à possibilidade de transação no mercado aberto. É o caso de hospitais, escolas, infraestruturas públicas ou outras instalações onde o interesse primário advém da utilidade e não da venda ou arrendamento.
Aplicação
- Prédios afetos a serviços públicos que não têm paralelo no mercado privado;
- Infraestruturas especiais onde o retorno não é calculado via receita, mas sim pela importância social ou administrativa.
Vantagens
- Permite atribuir valor a ativos cuja finalidade não é comercial;
- Útil para organismos públicos ou privados que precisem de justificar o valor do património pelo serviço que prestam.
Limitações
- Dificuldade em quantificar a utilidade (social, cultural) de alguns equipamentos;
- Pode divergir muito do valor de mercado efetivo, se este ativo fosse colocado à venda.
3. Avaliação Imobiliária vs. Análise Comparativa de Mercado (ACM)
Característica | Avaliação Imobiliária | Análise Comparativa de Mercado |
---|---|---|
Regulamentação | Lei n.º 153/2015; normas DGTF, TEGOVA e RICS | Não regulada legalmente |
Responsabilidade | Exige certificação e seguro de responsabilidade civil | Não obriga a certificação ou seguro |
Métodos Aplicados | Aplicação rigorosa de métodos reconhecidos | Comparação de preços, por vezes sem ajustes técnicos |
Validade Legal | Reconhecida em crédito, tributação e contenciosos | Meramente indicativa, sem peso jurídico |
A distinção é crítica quando estão em causa decisões como a concessão de hipotecas bancárias, partilhas judiciais, avaliação para efeitos contabilísticos ou litígios. Nestas situações, apenas uma avaliação imobiliária conduzida por um perito certificado tem validade formal, assegurando, além de tudo, responsabilidade técnica e legal.
4. Tipos de Peritos Avaliadores e Certificações em Portugal
A Lei n.º 153/2015 define os contornos para o acesso e exercício da atividade de perito avaliador de imóveis no sistema financeiro português. Este profissional deve cumprir requisitos mínimos de formação, estar inscrito numa associação profissional reconhecida pelas autoridades competentes e manter um seguro de responsabilidade civil ativo. Contudo, existem diferentes áreas de especialização e certificações que respondem a finalidades específicas:
4.1. Peritos Certificados pela CMVM
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) habilita peritos para avaliações no setor financeiro, nomeadamente:
- Avaliação de imóveis que sirvam de garantia para créditos hipotecários;
- Avaliação de ativos de fundos de investimento imobiliário;
- Avaliação de imóveis que integrem o património de sociedades cotadas ou de veículos de investimento sujeitos à supervisão da CMVM.
Além do cumprimento da lei geral, estes peritos têm de demonstrar um conhecimento aprofundado das normas internacionais, como as EVS da TEGOVA e o Red Book da RICS, de modo a satisfazer as exigências do mercado de capitais e das instituições financeiras.
4.2. Peritos Avaliadores para Fins Judiciais
Para efeitos judiciais — processos de expropriação, partilhas por divórcio ou heranças, litígios de conflitos de vizinhança ou de propriedade, entre outros —, os tribunais recorrem a listas específicas de avaliadores credenciados. Estes profissionais devem ter experiência comprovada em avaliação e, em muitos casos, formação complementar que lhes permita defender a avaliação em sede de audiência, respondendo a quesitos do juiz ou das partes.
4.3. Peritos para Avaliações Fiscais
A avaliação para fins fiscais (por exemplo, determinação do Valor Patrimonial Tributário para cálculo de IMI ou IMT) é realizada por peritos registados na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). O cálculo do VPT segue regras próprias definidas no Código do IMI, mas, quando surgem situações mais complexas, podem ser chamados avaliadores especializados para dirimir dúvidas técnicas ou efetuar reavaliações (nomeadamente em caso de divergência entre o valor declarado e o valor efetivo).
5. Importância da Avaliação Imobiliária no Mercado
A avaliação imobiliária desempenha um papel fundamental para a estabilidade e a transparência do mercado. Destacam-se quatro vertentes principais de impacto:
- Financiamento Bancário
Os bancos utilizam as avaliações imobiliárias para determinar a quantia máxima de empréstimo que podem conceder a um cliente (Loan-to-Value). Uma avaliação bem fundamentada reduz o risco de crédito, pois impede que a instituição financeira financie imóveis sobrevalorizados, limitando a exposição a eventuais incumprimentos.
- Compra e Venda de Imóveis
Os relatórios de avaliação fornecem uma base objetiva para negociar o preço de um imóvel, reduzindo a incerteza para ambas as partes. O comprador ganha confiança por saber que o valor se baseia em critérios técnicos, enquanto o vendedor obtém um ponto de referência profissional no momento de estipular o valor de venda.
- Tributação e Fiscalidade
O Estado e as autarquias dependem das avaliações para calcular o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) e o IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas). Uma avaliação incorreta pode levar a perdas de receita para o Estado ou a cobranças excessivas a particulares e empresas. Por outro lado, é também determinante em processos de expropriação, onde o valor a pagar ao proprietário depende de critérios legais de avaliação.
- Gestão de Ativos e Investimentos
Fundos de investimento, sociedades gestoras e grandes empresas com portefólio imobiliário recorrem a peritos para atualizarem periodicamente o valor dos seus ativos, garantindo que as demonstrações financeiras reflitam a realidade do mercado. Além disso, uma avaliação rigorosa permite aos gestores tomar decisões de compra, venda ou requalificação de propriedades com base em dados consistentes.
6. Conclusão
A avaliação imobiliária em Portugal desempenha um papel fundamental na dinamização e estabilidade do mercado, sendo especialmente relevante no setor financeiro. As avaliações realizadas para o sistema financeiro estão sujeitas à Lei n.º 153/2015, que estabelece requisitos específicos para peritos avaliadores de imóveis neste contexto. Paralelamente, a prática da avaliação segue normas amplamente reconhecidas, como as European Valuation Standards (EVS) da TEGOVA e o Red Book da RICS, bem como orientações da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), que asseguram a credibilidade e uniformização dos critérios aplicados.
As metodologias adotadas, mesmo quando diferem em pormenores (cinco métodos na DGTF, quatro na TEGOVA, três na RICS), convergem na busca de rigor, imparcialidade e fundamentação técnica.
Para os cidadãos, empresas e instituições, o recurso a peritos avaliadores certificados oferece garantias de qualidade, independência e conformidade legal. Este facto ganha relevância sempre que está em causa a celebração de contratos de crédito, a negociação de valores de compra e venda, a partilha de heranças ou divórcios e a determinação de impostos, entre outras situações de grande impacto financeiro e social.
Por outro lado, a Análise Comparativa de Mercado (ACM), embora útil como indicador de valores e ferramenta de posicionamento de produto para consultores e agentes imobiliários, não substitui a avaliação formal em cenários que exijam validade jurídica e rigor científico. É, portanto, fundamental que investidores, instituições e particulares reconheçam as diferenças entre uma estimativa de valor e uma avaliação devidamente regulada e sustentada em métodos oficiais.
Em síntese, a correta valorização dos imóveis, apoiada em metodologias e normas internacionalmente aceites, contribui para a transparência do setor, fortalece a confiança dos intervenientes e promove uma concorrência mais leal. Para aprofundar estes temas, é aconselhável a consulta direta da Lei n.º 153/2015, das orientações da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), bem como das normas TEGOVA (European Valuation Standards) e do RICS Valuation – Global Standards (Red Book), documentos que suportam a atividade avaliativa com uma base sólida e reconhecida.