O Que Está em Jogo?
Portugal está a enfrentar uma crise habitacional crítica, mas as políticas mais recentes do Governo destinadas a facilitar a aquisição de habitação pelos jovens são mesmo a solução adequada para um problema tão complexo?
Estas iniciativas podem ser vistas como meras tentativas vãs, comparáveis a usar um copo de água para apagar um incêndio de grandes proporções. De facto, elas não apenas falham em abordar as causas profundas da crise, mas também têm o potencial de agravar a situação existente.
Atualmente, cerca de um terço dos jovens portugueses, apesar de terem nascido no país, decidiu emigrar.
A dimensão deste êxodo é alarmante, certo?
Os dados do Observatório da Emigração indicam um aumento significativo na emigração juvenil, com a média anual de 75.000 jovens a deixar Portugal desde o início do século XXI, e atingindo picos que chegaram a 120.000 emigrantes em 2013. A dificuldade de encontrar habitação acessível nas grandes cidades, especialmente em Lisboa, onde existem 154 mil fogos vazios, é frequentemente citada como uma das principais razões para essa fuga. Contudo, essa justificação apenas é plausível se a associarmos a outro fator preponderante e o principal justificativo para o fenómeno que é a emigração jovem, que são os baixos salários em contraste com o aumento da escolaridade e as suas qualificações. Confrontados com um mercado de trabalho que não recompensa adequadamente a sua formação, e a impossibilidade de adquirirem casa nos grandes centros, os jovens veem-se obrigados a procurar melhores oportunidades no exterior.
Como podemos compreender esta contradição entre a necessidade urgente de habitação e a existência de tantas casas vazias?
Muitos proprietários optam por deixar os seus imóveis sem uso. Grande parte deriva da burocracia que complica o arrendamento e da dificuldade em despejar inquilinos problemáticos. Além disso, os proprietários receiam a desvalorização do seu património imobiliário se as disponibilizarem para arrendamento, e preferem aguardar por um mercado mais favorável. Os encargos financeiros, como impostos e custos de manutenção associados ao arrendamento, também desincentivam a utilização desses imóveis, bem como as constantes alterações legislativas sempre que há alteração do partido de Governo.
Mas, e as reformas estruturais que poderiam promover o arrendamento de longa duração?
Elas ainda não foram concretizadas ou simplesmente não existem. Temos medidas pífias de redução na tributação de rendimentos prediais, mas são claramente insuficientes para dinamizar um mercado que tem um potencial gigantesco e que poderia dinamizar a economia.
A isenção de impostos para jovens até 35 anos que adquiram a sua primeira casa é apresentada como uma inovação.
Será esta, realmente uma solução viável?
Esta isenção aplica-se a imóveis com um valor até 316.772 euros, oferecendo benefícios parciais para imóveis entre este valor e até 633.453 euros. Esta proposta parece estar desconectada da realidade visto os jovens receberem, em média, cerca de 1.200 euros mensais.
Se analisarmos os dados dos Censos 2021, existem aproximadamente 1.280.000 jovens em idade ativa, sendo 75% deles (960 mil) têm rendimentos mensais entre 800€ e 1.000€. Depois existe uma parte destes jovens, 19% que têm rendimentos entre os 1.000€ e os 1.500€, restando uma pequena percentagem de jovens, 6% (77 mil) cujos rendimentos são superiores a 1.500€, sendo que desses apenas 25 mil auferem mais que 2.000€.
Na prática se analisarmos a situação de um jovem casal que tenha uma receita conjunta de 2.400€ mensais, é realista pensar que esse casal conseguirá suportar prestações mensais de um empréstimo que podem ultrapassar os 1.000 euros, sobrando apenas 1.400 euros para cobrir todas as suas outras despesas?
Esta carga financeira pode tornar-se uma armadilha de décadas para muitos jovens.
A obsessão pela "casa própria" não está a criar um fardo desnecessário?
Essa pressão afeta diretamente a liberdade financeira e a mobilidade de uma geração que se qualificou para trabalhar em qualquer ponto do país ou do mundo.
Em Portugal, a crença de que possuir um lar representa segurança e sucesso é uma noção profunda na nossa cultura, mas estaremos a ignorar alternativas valiosas, como o arrendamento ou a descentralização de serviços e polos urbanos reais no interior do país? Olhando para o modelo habitacional da Alemanha, por exemplo, onde apenas cerca de 45% da população detém a casa própria, percebemos que a abordagem pode ser diferente e vantajosa. Além disso, podemos considerar a Áustria, que segue uma trajetória semelhante, mostrando que um parque de arrendamento robusto pode beneficiar todos os cidadãos. Países como Dinamarca e Suécia, com taxas de propriedade de aproximadamente 60% e 65%, respetivamente, revelam um mercado de arrendamento bem regulado, que assegura qualidade de vida e que convive em harmonia com o mercado de compra e venda.
O que nos impede de reconsiderar a nossa mentalidade e abraçar um modo de vida mais flexível e prático?
É claro que, se não reavaliarmos a nossa visão sobre o arrendamento, podemos continuar a alimentar um sistema que só beneficia especuladores e instituições financeiras. Para que as políticas habitacionais sejam eficazes, é necessário um enfoque no lado da oferta. Precisamos de desburocratizar a legislação que impede a construção e rever a lei dos solos (revisão encontra-se parada desde junho deste ano), criando condições que incentivem o desenvolvimento de novos projetos. Medidas fiscais que estimulem a construção e a reabilitação de imóveis, assim como a exploração do parque imobiliário do Estado por privados em regime de rendas controladas, são fundamentais. Atualmente, e segundo o último inventário realizado pelo Ministério das Finanças no início deste ano, o Estado possuía 42.990 prédios rústicos e 17.445 prédios urbanos inscritos na AT, não tendo sido apurados o número real de terrenos devolutos. A utilização destes ativos para enfrentar a crise habitacional, através da sua reabilitação e exploração por entidades privadas ou cooperativas, com rendas controladas, poderia ser uma solução viável e sustentável.
Além disso, a implementação do conceito de “cidades de 15 minutos”, não apenas nas áreas urbanas, mas também em regiões interiores que têm um elevado número de habitações vazias, poderia trazer um novo paradigma ao planeamento urbano. Este conceito da “cidade de 15 minutos” teve origem no trabalho do urbanista Carlos Moreno, a ideia baseia-se na criação de comunidades onde todos os serviços essenciais — educacionais, de saúde, lazer e comércio — estejam acessíveis a uma distância máxima de 15 minutos a pé ou de bicicleta. O objetivo fundamental é promover uma maior qualidade de vida, reduzir a dependência do automóvel e fomentar uma maior interação social. Para alcançar este objetivo em Portugal, é necessário um conjunto de medidas que incluem a requalificação do espaço urbano, investimentos em infraestruturas de mobilidade sustentável, como ciclovias e transportes públicos eficientes, e a promoção de zonas verdes. O desenvolvimento de espaços públicos que incentivem a convivência e a circulação não motorizada poderia revitalizar bairros, especialmente nos centros urbanos e nas áreas interiores com muitas habitações vazias. Este conceito, que prioriza a proximidade e a acessibilidade, pode ser particularmente eficaz na promoção de uma urbanização mais sustentável e inclusiva, que, por sua vez, contribuiria para mitigar os problemas habitacionais.
O futuro de Portugal está em jogo e é crucial que medidas sejam adotadas antes que a situação se torne irreversível. A natureza da intervenção estatal é determinante: ao equilibrar as políticas de oferta e procura, estamos a criar um espaço mais justo e sustentável para todos. Precisamos de abrir um diálogo inclusivo envolvendo todos os setores da sociedade para encontrar soluções práticas que beneficiem a coletividade e assegurem um futuro melhor.
É o momento de agir. A construção de um futuro habitacional justo, acessível e sustentável exige a mobilização de todos; agora é a hora de unir a sociedade, as instituições e os decisores políticos em busca de soluções inovadoras que possam fazer a diferença para as gerações presentes e futuras. O que está em jogo aqui é o bem-estar de milhares de jovens, a sustentabilidade do nosso mercado de habitação e, em última análise, o desenvolvimento do nosso país.