O Quebrar do Sonho

A Sustentabilidade do Mercado Imobiliário em Portugal em Questão

Nos últimos anos, Portugal tem assistido a um aumento significativo nos preços das habitações, particularmente em grandes cidades como Lisboa e Porto. Este fenómeno tem levantado preocupações sobre a possibilidade de uma bolha imobiliária. As bolhas imobiliárias, caracterizadas por uma subida abrupta dos preços de habitação que não é sustentada por fundamentos económicos, podem levar a consequências graves para a economia e para os cidadãos. Este artigo tento explorar como se formam as bolhas imobiliárias, os fatores que contribuem para a sua criação, a relação com a situação atual do mercado imobiliário em Portugal, a viabilidade do risco de bolha e possíveis soluções e cenários futuros, tendo em conta as conclusões do estudo da UBS Global Real Estate Bubble Index.

O Que é uma Bolha Imobiliária?

Uma bolha imobiliária ocorre quando os preços das propriedades sobem rapidamente devido à especulação, frequentemente impulsionada por um excesso de oferta de crédito, baixas taxas de juro e uma forte procura. Eventualmente, quando a especulação não é acompanhada por uma melhoria nos fundamentos, como o crescimento dos rendimentos, a bolha estoura e os preços caem rapidamente. Este fenómeno já foi observado em várias partes do mundo, incluindo os Estados Unidos durante a crise de 2008.

Como se Formam as Bolhas Imobiliárias

A formação de uma bolha imobiliária acontece em várias fases:

  1. Estabilidade e Crescimento Moderado: O mercado imobiliário inicia-se estável, com crescimento moderado dos preços impulsionado por fatores fundamentais como o aumento da renda e crescimento económico;
  2. Aumento da Procura e Especulação: Aumentos na procura, frequentemente alimentados por um ambiente de baixo custo de financiamento e políticas de crédito acessíveis, fazem os investidores e compradores acreditarem que os preços aumentam de forma sistemática;
  3. Exagero nos Preços: À medida que a confiança cresce, os preços das propriedades sobem ainda mais e a especulação prevalece, levando a decisões de compra motivadas mais pela expectativa de ganhos do que por necessidades reais;
  4. Estouro da Bolha: Quando os preços se tornam insustentáveis, a confiança pode rapidamente reverter, resultando em vendas em massa e queda acentuada dos preços.

Fatores que Contribuem para a Formação de Bolhas Imobiliárias

Diversos fatores podem contribuir para a formação de bolhas imobiliárias:

  • Taxas de Juros Baixas: Taxas de juros reduzidas tornam o crédito mais acessível, facilitando a compra de propriedades e podendo inflacionar os preços;
  • Investimento Estrangeiro: Portugal tem assistiu a um crescimento de investimento estrangeiro, especialmente através do Programa Golden Visa, que acabou por inflacionar a procura;
  • Expectativas de Crescimento: Quando as expectativas de crescimento económico são altas, os investidores tendem a especular sobre a valorização das propriedades, contribuindo para um aumento nos preços;
  • Falta de Oferta Adequada: A escassez de novas construções em consonância com a procura crescente pode levar a um aumento acentuado dos preços.

A Situação Imobiliária Atual em Portugal (2020-2024)

Nos últimos anos, especialmente durante o período de 2020 a 2024, os preços das habitações em Portugal dispararam. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os preços das habitações aumentaram cerca de 35% entre 2020 e 2024, com Lisboa e Porto a liderarem esta tendência. Em 2024, o preço médio por metro quadrado em Lisboa ultrapassou os 4.000 euros, enquanto no Porto os preços também subiram significativamente, atingindo valores recorde.

 

O relatório da consultora imobiliária JLL de 2024 indica que, em Lisboa, o preço médio por metro quadrado atingiu 4.200 euros em zonas centrais, enquanto em áreas fora do centro a média ronda os 3.000 euros. No Porto, o mesmo relatório aponta que os preços médios situam-se em torno dos 2.800 euros por metro quadrado. Estes valores colocam as habitações em Portugal entre as mais caras da Europa, suscitando preocupações sobre a sustentabilidade deste crescimento.

Existe Risco de Bolha em Portugal?

A agravante situação atual levanta a questão sobre a possibilidade de uma bolha imobiliária em Portugal. Vários especialistas e economistas alertam para o risco potencial de bolha, especialmente em áreas urbanas saturadas com uma alta concentração de investimento e procura. O aumento rápido dos preços não é sustentado por um correspondente aumento nos salários ou por melhorias significativas nos indicadores económicos. Para termos noção desta disparidade, o rácio entre os preços das habitações e os rendimentos familiares (price-to-income ratio) ultrapassou o nível 5 em várias áreas metropolitanas.

Acessibilidade e Price-to-Income Ratio

A Perspectiva Global: Estudo da UBS Global Real Estate Bubble Index

Recentemente, o estudo da UBS Global Real Estate Bubble Index, que analisa o mercado imobiliário em várias cidades ao redor do mundo, considerando factores como o crescimento dos preços, opiniões do consumidor, e acessibilidade, indicou que o risco de uma bolha imobiliária a nível global diminuiu em relação ao ano anterior.

Esta informação, no entanto, não significa que o risco de bolha seja nulo em Portugal. Embora a diminuição do risco global possa sugerir uma estabilização em várias regiões, é importante considerar que em Portugal o cenário permanece volátil. O crescimento consistentemente elevado dos preços das habitações e a acessibilidade cada vez mais difícil podem não refletir a mesma tendência observada em outros mercados avaliados no relatório da UBS. Este contraste destaca a importância de uma análise detalhada do mercado português de forma independente, levando em consideração as suas particularidades.

Dados Concretos e Estatísticas Relevantes (2020-2024)

Para ilustrar a gravidade da situação, vejamos alguns dados relevantes sobre o período de 2020 a 2024:

  • Crescimento dos Preços: De acordo com o INE, os preços das habitações aumentaram aproximadamente 35% entre 2020 e 2024.
  • Acessibilidade: O rácio entre o preço das habitações e o rendimento médio das famílias está em cerca de 5,5 em Lisboa.

 

A acessibilidade ou “price-to-income ratio é uma medida essencial para avaliar a acessibilidade da habitação, calculando a relação entre o preço médio das habitações e o rendimento médio das famílias. Em Portugal, esta medida encontra-se atualmente em torno de 5,5 em Lisboa e 4,8 no Porto. Para contextualizar, os níveis de rácio são frequentemente classificados da seguinte forma:

  • Nível 1: Acessibilidade muito alta – as famílias podem facilmente permitir-se a compra de habitação.
  • Nível 2: Acessibilidade alta – as famílias têm dificuldade, mas ainda é possível.
  • Nível 3: Acessibilidade moderada – as famílias precisam de compromissos significativos para comprar.
  • Nível 4: Acessibilidade baixa – a maioria das famílias encontra grandes dificuldades para comprar uma habitação.
  • Nível 5 (> 5): Acessibilidade muito baixa – a compra de habitação torna-se quase impossível para muitas famílias.

 

Assim, um “price-to-income ratio” de 5 em Portugal sugere uma acessibilidade bastante preocupante, especialmente para famílias mais jovens e de classe média.

  • Taxas de Juro: Embora as taxas de juro tenham permanecido historicamente baixas até 2022, as recentes subidas pelo Banco Central Europeu começam a afetar a acessibilidade ao crédito e podem levar a uma redução da procura no setor imobiliário.

Soluções e Cenários Futuros

A situação actual exige um conjunto de medidas que podem ajudar a mitigar o risco de uma bolha imobiliária:
  1. Aumento da Oferta: Fomentar a construção de habitação acessível e o aumento da oferta de imóveis pode ajudar a equilibrar a lei da oferta e da procura;
  2. Políticas de Crédito Rigorosas: O Banco de Portugal e outros reguladores devem monitorizar e, se necessário, introduzir medidas que restrinjam a concessão de crédito excessivo, garantindo que as hipotecas sejam sustentáveis;
  3. Regulação do Investimento Estrangeiro: Políticas que regulamentam o investimento estrangeiro em imóveis, sem desencorajar totalmente este fluxo, podem ajudar a evitar a especulação excessiva;
  4. Promoção da Renda Acessível: Incentivos para o desenvolvimento de projetos de habitação de renda acessível para aumentar a oferta de habitação disponível ao público em geral;
  5. Educação Financeira: Promover a educação financeira entre os cidadãos, ajudando-os a compreender os riscos associados à compra de propriedades e à especulação imobiliária.

Conclusão

 

Em suma, a possibilidade de uma bolha imobiliária em Portugal é uma preocupação real. A análise do UBS Global Real Estate Bubble Index, embora indique uma redução do risco a nível global, não elimina a possibilidade de um cenário local mais delicado. O aumento substancial dos preços das habitações, o investimento estrangeiro e a acessibilidade cada vez mais difícil criam um cenário propício para a especulação. Contudo, com a implementação de políticas adequadas e uma monitorização contínua do mercado, é possível minimizar os riscos e garantir um desenvolvimento imobiliário sustentável. A chave reside na promoção de uma oferta adequada e em garantir que os preços das habitações sejam acessíveis para todos, evitando assim as consequências devastadoras que o rebentamento de uma bolha poderia trazer para a economia e para os cidadãos. A vigilância e a ação proativa são essenciais para salvaguardar o futuro do mercado imobiliário em Portugal.

Partilhar Artigo

Este site está protegido por reCAPTCHA e aplica-se a Política de Privacidade e os Termos de Serviço da Google.

Mantenha-se a par
subscreva a
nossa newsletter.

plugins premium WordPress