Impacto das Taxas de Juro no Mercado Imobiliário

Uma análise detalhada do panorama português e europeu

1. Introdução

As taxas de juro desempenham um papel fundamental na dinâmica do mercado imobiliário. Em Portugal e na generalidade dos países da Zona Euro, a política monetária do Banco Central Europeu (BCE) — e a forma como esta influencia a evolução das taxas de juro de referência — tem impacto direto nos custos de financiamento, no poder de compra das famílias, na procura por habitação e no investimento em ativos imobiliários.

Nos últimos anos, o mercado residencial português viveu uma fase de forte expansão e subida de preços, alimentada por taxas de juro historicamente baixas, maior facilidade de acesso ao crédito e um ambiente económico mais favorável. Contudo, as mudanças de orientação na política monetária, ditadas pelo BCE em resposta à inflação, alteram o cenário, encarecendo o crédito e introduzindo novos desafios para compradores, vendedores, proprietários, investidores e promotores.

Para contextualizar a magnitude deste impacto, basta observar que entre 2022 e 2023, a prestação média mensal de um crédito à habitação de 150.000€ a 30 anos aumentou cerca de 45%, passando de aproximadamente 450€ para mais de 650€, segundo dados do Banco de Portugal. Esta realidade afeta diretamente mais de 2 milhões de famílias portuguesas que têm créditos à habitação em curso.

Este artigo explora como as taxas de juro influenciam o mercado imobiliário, de que forma se refletem nas decisões de compra e investimento e quais as perspetivas futuras, com especial enfoque no contexto português.

2. Evolução histórica das taxas de juro e o mercado imobiliário português

Para compreender o contexto atual, é necessário olhar para a evolução histórica das taxas de juro em Portugal, especialmente desde a adesão ao euro em 1999.

2.1. Da entrada no euro à crise financeira (1999-2008)

Com a adesão à moeda única, Portugal beneficiou de uma convergência das taxas de juro para níveis mais baixos que os historicamente praticados no país. A Euribor a 12 meses, que serve de referência para muitos contratos de crédito à habitação, situava-se em torno dos 3-4%, fomentando um boom no crédito à habitação. Neste período, o valor médio do crédito concedido aumentou significativamente, e os prazos de amortização foram estendidos, chegando em alguns casos a 50 anos.

2.2. Crise financeira e intervenção da Troika (2008-2014)

A crise financeira global de 2008, seguida da crise da dívida soberana europeia, levou a uma contração severa do mercado imobiliário português. O BCE iniciou um ciclo de descida das taxas de juro para estimular a economia, mas em Portugal, devido à crise, os bancos aumentaram os spreads, compensando parcialmente a descida da Euribor. Durante o período de intervenção da Troika (2011-2014), o mercado imobiliário viveu um dos seus períodos mais desafiantes, com queda acentuada nos preços e no volume de transações.

2.3. Era das taxas zero e negativas (2015-2021)

A partir de 2015, iniciou-se um período sem precedentes de taxas de juro ultrabaixas, chegando mesmo a valores negativos. A Euribor a 12 meses atingiu -0,5% em 2021, algo nunca visto. Esta realidade, combinada com a recuperação económica portuguesa e o crescimento do turismo, impulsionou uma recuperação vigorosa do mercado imobiliário, com crescimentos anuais de preços acima dos 10% em algumas regiões. O valor médio do metro quadrado em Lisboa, por exemplo, mais que duplicou entre 2015 e 2021.

2.4. Retorno da inflação e normalização monetária (2022-presente)

Em resposta à escalada inflacionária pós-pandemia, amplificada pela crise energética decorrente do conflito na Ucrânia, o BCE iniciou em 2022 um ciclo de subidas agressivas das taxas de juro. A Euribor a 12 meses saltou de valores negativos para mais de 4% em menos de 18 meses, um dos aumentos mais rápidos da história. Esta normalização monetária marca o fim de uma era excecional de dinheiro barato, com implicações profundas para o mercado imobiliário.

3. O Papel das Taxas de Juro no Financiamento Imobiliário

Para a maioria das famílias, a aquisição de casa própria implica recorrer a financiamento bancário. Em Portugal, é comum a indexação das prestações do crédito à habitação à Euribor (normalmente a 3, 6 ou 12 meses), a qual flutua em função das expectativas e decisões do BCE. Assim, quando o BCE decide subir as taxas de referência para conter a inflação, a Euribor tende a aumentar, traduzindo-se em prestações mensais mais elevadas para quem detém crédito à habitação de taxa variável.

3.1. Impacto no Poder de Compra

Quando a taxa de juro sobe, o encargo mensal do empréstimo também aumenta, consumindo uma fatia maior do rendimento familiar. Um exemplo concreto ilustra bem este impacto: para um empréstimo de 200.000€ a 30 anos com spread de 1%, a prestação mensal passou de aproximadamente 600€ (com Euribor a 0%) para cerca de 1.050€ (com Euribor a 4%), representando um aumento de 75% no encargo mensal.

Este aumento significativo reduz drasticamente o poder de compra das famílias. Segundo estimativas do Banco de Portugal, a taxa de esforço média com o crédito à habitação subiu de 23% do rendimento líquido familiar em 2020 para mais de 30% em 2023, ultrapassando em muitos casos o limiar de 35% recomendado como máximo sustentável.

Para os novos compradores, esta realidade traduz-se numa redução da capacidade de endividamento. Uma família com rendimento mensal líquido de 2.500€ podia, em 2020, aspirar a um empréstimo de aproximadamente 300.000€; hoje, com as mesmas condições de rendimento, esse valor desce para cerca de 190.000€, uma redução de mais de 35% no poder de compra imobiliário.

A tabela abaixo, ilustra o valor de aquisição de um imóvel que é possível adquirir com recurso a financiamento bancário, com um LTV de 35%, por um prazo de 35 anos, com um spread de 1% com a taxa Euribor indicada. É possível verificar o impacto que o aumento de 1 p.p. (ponto percentual) tem na capacidade aquisitiva de um imóvel, diminuindo-a consideravelmente.

Taxa de juroValor do ImóvelCapacidade Aquisitiva + 1p.p.
1%335.000€-
2%290.000€-45.000€
3%245.000€-45.000€
4%210.000€-35.000€
5%185.000€-25.000€

3.2. Acesso ao Crédito

Em cenários de subida das taxas de juro, os bancos tendem igualmente a ajustar a sua política de concessão de crédito, tornando-se mais seletivos na avaliação da solvabilidade dos clientes. Critérios como o rácio entre prestação e rendimento (DSTI — Debt Service to Income), a estabilidade laboral ou a percentagem de financiamento face ao valor do imóvel (Loan-to-Value, LTV) podem ser mais exigentes.

O Banco de Portugal, seguindo recomendações do Banco Central Europeu, implementou em 2018 medidas macroprudenciais que limitam a concessão de novos créditos:

  • Rácio LTV máximo de 90% para habitação própria permanente
  • Rácio DSTI máximo de 50% do rendimento líquido
  • Maturidade máxima de 40 anos, com convergência gradual para 30 anos

 

Estas medidas, combinadas com o aumento das taxas de juro, resultaram numa redução de aproximadamente 30% no volume de novos créditos à habitação concedidos em 2023 comparativamente a 2021, segundo dados da Associação Portuguesa de Bancos. Para os compradores de primeira habitação, particularmente jovens, o acesso à propriedade torna-se cada vez mais difícil, alimentando o mercado de arrendamento.

3.3. Alterações em Taxas Fixas vs. Taxas Variáveis

Embora a maioria dos contratos em Portugal esteja indexada a taxas variáveis (Euribor), tem-se notado um aumento significativo na procura de taxas fixas, pois oferecem estabilidade no valor da prestação ao longo do tempo. Em 2020, apenas 15% dos novos contratos de crédito à habitação eram a taxa fixa; em 2023, esse valor subiu para mais de 40%, segundo dados do Banco de Portugal.

No entanto, mesmo os créditos a taxa fixa refletem as expectativas do mercado. Por exemplo, em 2021, era possível contratar taxas fixas a 30 anos por volta de 1,5%; atualmente, essas taxas situam-se entre 3,5% e 4,5%, dependendo do banco e do perfil do cliente. Esta subida reflete não apenas as condições atuais, mas também as expectativas dos bancos quanto à evolução futura das taxas.

Um estudo de caso: uma família que optou por taxa fixa de 1,5% em 2021 para um empréstimo de 200.000€ a 30 anos tem hoje uma prestação mensal de aproximadamente 690€. Uma família semelhante que contrate hoje o mesmo empréstimo a taxa fixa pagará cerca de 950€ mensais, uma diferença de quase 38% por “chegar tarde” ao mercado.

4. Efeitos Diretos na Procura e Oferta Imobiliárias

Além do encarecimento do crédito, as taxas de juro afetam o mercado de forma mais ampla, influenciando tanto o lado da procura como o lado da oferta:

4.1. Procura por Habitação

4.1.1. Habitação Própria

Quando as taxas de juro estão baixas, o acesso ao crédito é mais económico e aumenta a atratividade de comprar habitação, incentivando novos compradores. Com a subida das taxas, a prestação mensal torna-se mais pesada, levando muitas famílias a adiar a compra ou a reduzir o seu orçamento, procurando imóveis mais modestos ou localizações mais acessíveis.

Esta dinâmica está a provocar um arrefecimento do mercado, com o tempo médio para venda de imóveis a aumentar. Segundo dados da Confidencial Imobiliário, o tempo médio para venda de um apartamento em Lisboa passou de 2-3 meses em 2021 para 4-6 meses em 2023. Esta desaceleração ainda não se traduziu numa queda generalizada dos preços, mas já se nota uma moderação no ritmo de crescimento e, em alguns segmentos de mercado, especialmente no luxo, já se observam correções de preço.

4.1.2. Investimento e Arrendamento

As taxas de juro baixas estimulam o investimento imobiliário como alternativa às aplicações financeiras tradicionais (depósitos a prazo, obrigações), cujo rendimento se torna menos interessante. Em contrapartida, quando as taxas de juro sobem, parte do capital pode regressar às aplicações financeiras, reduzindo o volume de investimento em imóveis.

Este fenómeno é visível na evolução das yields (rentabilidades) do arrendamento em Portugal. Em 2020-2021, com depósitos a prazo e obrigações de dívida pública oferecendo rendimentos próximos de zero, uma yield bruta de 4-5% no arrendamento era extremamente atrativa. Hoje, com os Certificados de Aforro a oferecerem mais de 3,5% e as obrigações do Tesouro a 10 anos com rendimentos acima de 3%, a atratividade relativa do investimento imobiliário diminui, necessitando de yields mais elevadas para compensar o risco.

No mercado de Lisboa, por exemplo, a procura por imóveis para investimento caiu aproximadamente 25% entre 2022 e 2023, segundo dados da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). Esta quebra é particularmente sentida no segmento dos pequenos investidores, que tradicionalmente adquiriam apartamentos para arrendamento como forma de complemento de rendimento ou preparação para a reforma.

4.2. Oferta de Imóveis

4.2.1. Promoção Imobiliária

Promotores e construtoras avaliam cuidadosamente os custos de construção e o custo do capital, podendo adiar projetos se o financiamento ficar demasiado oneroso. Isto pode travar o ritmo de construção de novas habitações, criando no médio prazo um desequilíbrio entre oferta e procura, que, paradoxalmente, pode pressionar os preços em alta.

Durante o período de taxas baixas (2015-2021), Portugal assistiu a um boom na construção, com o número de fogos novos licenciados a crescer anualmente. No entanto, dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram uma quebra de 18% nos novos licenciamentos de habitação em 2023 face a 2022. Esta redução na pipeline de novos projetos poderá agravar o problema estrutural de oferta insuficiente que o país já enfrenta, especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Um exemplo concreto: um projeto de 50 apartamentos com um custo de construção de 10 milhões de euros e uma margem esperada de 20% poderia ser viável com financiamento a 2-3%. Com taxas de juro a 5-6%, o mesmo projeto necessitaria de preços de venda significativamente mais elevados para manter a mesma rentabilidade, tornando-o inviável em muitas localizações.

4.2.2. Mercado de Reabilitação

Numa conjuntura de taxas mais elevadas e potencial abrandamento no lançamento de novas obras, a reabilitação de edifícios existentes pode tornar-se uma opção preferencial para investidores, pois em muitos casos requer menos capital do que projetos de raiz.

Esta tendência é particularmente relevante em centros históricos como o de Lisboa, Porto ou Coimbra, onde a reabilitação beneficia ainda de incentivos fiscais através de programas como o Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas (IFRRU). Segundo a Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário (CPCI), o número de projetos de reabilitação manteve-se mais estável que o de construção nova face à subida das taxas de juro, com uma queda de apenas 7% em 2023.

5. Repercussões nas Rendas e no Investimento

Quando as taxas de juro sofrem alterações, o arrendamento e o investimento imobiliário refletem também essas mudanças:

5.1. Arrendamento

5.1.1. Encargos do Senhorio

Se o proprietário tiver um crédito bancário associado ao imóvel, a subida das taxas de juro aumenta os custos de financiamento. Por vezes, esse aumento de custos é repercutido nos inquilinos, sob a forma de rendas mais elevadas (embora, em Portugal, a atualização de rendas antigas esteja sujeita a regras específicas).

Um estudo da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) revela que cerca de 30% dos senhorios que adquiriram imóveis para arrendamento nos últimos cinco anos fizeram-no com recurso a crédito bancário. Para estes, o aumento médio das prestações bancárias foi de aproximadamente 250€ mensais entre 2021 e 2023. Em resposta, cerca de 60% destes senhorios afirmam ter aumentado as rendas ou pretender fazê-lo na próxima renovação contratual.

5.1.2. Procura por Arrendamento

Se o crédito à habitação se torna mais difícil ou caro, mais pessoas permanecem no mercado de arrendamento, reforçando a procura. Este cenário pode pressionar as rendas em alta, sobretudo nas zonas onde a oferta não aumente ao mesmo ritmo.

Os dados do Portal Idealista mostram um aumento de 37% na procura de imóveis para arrendamento em Lisboa e Porto entre 2021 e 2023, enquanto a oferta cresceu apenas 15% no mesmo período. Esta desproporção resultou num aumento médio das rendas de 24% em Lisboa e 18% no Porto durante este período, muito acima da inflação acumulada de aproximadamente 12%.

Este fenómeno é particularmente visível no segmento jovem: um inquérito realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em 2023 revela que 68% dos jovens entre 25 e 35 anos que arrendam habitação gostariam de comprar casa própria, mas 72% destes consideram que as atuais condições de crédito tornam esse objetivo inalcançável no curto prazo.

5.2. Investimento Profissional

5.2.1. Fundos Imobiliários e Grandes Investidores

Vários fundos de investimento, REITs (Real Estate Investment Trusts) ou family offices gerem portefólios imobiliários que podem ser financiados a taxas variáveis ou fixas, nacionais ou internacionais. Se os custos de financiamento aumentam, isso afeta a rentabilidade líquida esperada, podendo levar a uma revisão em baixa do apetite pelo investimento.

Segundo dados da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), os fundos de investimento imobiliário em Portugal registaram um decréscimo de 8% no volume de novas aquisições em 2023 face a 2022. Contudo, esta quebra foi parcialmente compensada por investidores institucionais menos dependentes de financiamento bancário, como fundos de pensões e seguradoras, que viram no imobiliário uma proteção contra a inflação.

Um caso ilustrativo é o da Merlin Properties, uma das maiores SOCIMI (REIT espanhola) com presença em Portugal, que anunciou em 2023 uma redução de 30% no seu programa de aquisições face ao inicialmente previsto, citando especificamente o aumento do custo de capital como motivo.

5.2.2. Estratégias de Distribuição de Carteira

Alguns investidores institucionais podem optar por redirecionar capitais para aplicações financeiras mais seguras (obrigações do Estado, por exemplo) quando as yields dos imóveis já não compensam o risco. Esta mudança pode levar à desaceleração do volume de transações e a uma estabilização ou descida dos preços em certos segmentos.

Um inquérito conduzido pela consultora CBRE junto de 50 investidores institucionais ativos em Portugal revela que 35% destes reduziram a alocação prevista para imobiliário em 2023, privilegiando ativos de rendimento fixo como obrigações corporativas e governamentais. Esta tendência é mais pronunciada entre investidores oriundos da Europa Central e do Norte, tradicionalmente mais conservadores.

No entanto, o mesmo inquérito mostra que, para determinados segmentos como residencial para arrendamento (multifamily), logística e residências de estudantes, o interesse mantém-se elevado, pois são vistos como mais resilientes face a ciclos económicos adversos e oferecem potencial de valorização a longo prazo.

6. Perspetivas Futuras e Desafios em Portugal

O Banco Central Europeu mantém como missão principal controlar a inflação na Zona Euro, procurando estabilizar os preços. Em cenários de inflação acima do objetivo (tipicamente 2%), é comum o BCE subir as taxas de referência para travar o consumo excessivo e a subida contínua de preços. Esta política, embora possa ser eficaz contra a inflação, representa um desafio para o mercado imobiliário:

6.1. Manutenção de Taxas de Juro Mais Elevadas

As previsões económicas atuais sugerem que o BCE deverá iniciar um ciclo de descida das taxas de juro a partir de meados de 2024, mas de forma gradual e cautelosa. Analistas do Goldman Sachs e do Morgan Stanley projetam que a Euribor a 12 meses poderá recuar para níveis entre 2,5% e 3% até ao final de 2025, mas não se espera um regresso aos valores próximos de zero observados entre 2015 e 2021.

Esta “nova normalidade” de taxas moderadamente elevadas significa que os bancos portugueses provavelmente manterão critérios de concessão de crédito mais restritivos, refletindo maior cautela e perceção de risco, sobretudo em mercados onde o preço dos imóveis subiu significativamente nos últimos anos.

Um estudo recente do Banco de Portugal estima que, mantendo-se a Euribor acima de 3% durante um período prolongado, os preços das habitações em Portugal poderão sofrer uma correção de até 15% nas áreas mais sobrevalorizadas (principalmente Lisboa e Porto) ao longo dos próximos três anos. Contudo, em áreas onde os preços subiram menos acentuadamente ou onde existe forte procura não satisfeita, a correção deverá ser mais moderada ou mesmo inexistente.

6.2. Risco de Incumprimento

As famílias que contrataram empréstimos a taxa variável num período de juro historicamente baixo podem enfrentar dificuldades ao fim de alguns anos, vendo a prestação subir de forma acentuada. O Banco de Portugal recomenda aos bancos uma monitorização próxima destes contratos para evitar aumentos significativos no crédito malparado.

Dados recentes mostram que o rácio de incumprimento no crédito à habitação em Portugal subiu de 1,4% em 2021 para 2,1% em 2023, um aumento preocupante, mas ainda longe dos picos de 3-4% observados durante a crise financeira de 2011-2014. O governo português implementou medidas de apoio a famílias em dificuldade, como a possibilidade de renegociação de prazos sem penalizações e a fixação temporária de taxas de juro, mas estas são soluções transitórias.

Esta “nova normalidade” de taxas moderadamente elevadas significa que os bancos portugueses provavelmente manterão critérios de concessão de crédito mais restritivos, refletindo maior cautela e perceção de risco, sobretudo em mercados onde o preço dos imóveis subiu significativamente nos últimos anos.

Um estudo recente do Banco de Portugal estima que, mantendo-se a Euribor acima de 3% durante um período prolongado, os preços das habitações em Portugal poderão sofrer uma correção de até 15% nas áreas mais sobrevalorizadas (principalmente Lisboa e Porto) ao longo dos próximos três anos. Contudo, em áreas onde os preços subiram menos acentuadamente ou onde existe forte procura não satisfeita, a correção deverá ser mais moderada ou mesmo inexistente.

6.3. Políticas Públicas de Habitação

O Governo português tem vindo a implementar programas e medidas para promover a habitação acessível (como o Porta 65, o Programa de Arrendamento Acessível, ou o recente pacote “Mais Habitação”). Contudo, a eficácia de tais políticas pode ser limitada se a alta de juros restringir o acesso ao crédito e não houver soluções robustas de arrendamento a preços controlados.

A dotação orçamental para políticas de habitação em Portugal aumentou de 0,1% do PIB em 2020 para 0,3% em 2023, ainda significativamente abaixo da média europeia de 0,6%. O programa “Mais Habitação”, aprovado em 2023, inclui medidas como:

  • Aumento da oferta pública de habitação (meta de 26.000 fogos até 2026)
  • Incentivos fiscais para quem coloque imóveis no arrendamento acessível
  • Limitação extraordinária da subida das rendas em 2024
  • Garantia pública para crédito à habitação a jovens

 

No entanto, estas medidas são vistas por muitos especialistas como insuficientes face à magnitude do problema. Um relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos estima que Portugal necessitaria de aumentar o parque público de habitação em pelo menos 100.000 fogos para responder às necessidades das famílias de rendimentos baixos e médios-baixos.

6.4. Mercado de Arrendamento Estudantil e Alojamento Local

Em centros urbanos e turísticos (Lisboa, Porto e Algarve), o impacto das taxas de juro conjuga-se com a procura por alojamentos estudantis, profissionais e turísticos. Mudanças nas políticas de arrendamento ou na regulação do alojamento local podem criar desequilíbrios adicionais, amplificando a influência das taxas de juro na dinâmica de preços.

Segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Portugal tinha em 2023 aproximadamente 420.000 estudantes no ensino superior, dos quais cerca de 25% deslocados das suas áreas de residência. A oferta de residências universitárias cobre apenas 15% desta necessidade, forçando a maioria a recorrer ao mercado privado de arrendamento.

Em cidades como Lisboa, onde existem mais de 15.000 licenças de alojamento local (cerca de 10% do parque habitacional do centro histórico), a competição entre arrendamento tradicional, estudantil e turístico cria uma pressão adicional sobre as rendas. O pacote “Mais Habitação” introduziu restrições à emissão de novas licenças de alojamento local, mas manteve as existentes, dividindo opiniões entre os que defendem maior proteção do mercado de arrendamento tradicional e os que alertam para os riscos económicos de restringir uma atividade importante para o turismo.

Um estudo de caso em Coimbra, cidade universitária por excelência, mostra que as rendas nas zonas próximas dos polos universitários aumentaram 32% entre 2020 e 2023, muito acima da inflação e do aumento médio nacional. Este fenómeno reflete não apenas a pressão da procura estudantil, mas também o facto de muitos senhorios terem financiamentos associados aos imóveis, cujas prestações aumentaram com a subida das taxas de juro.

7. Estratégias para Resiliência

Embora as taxas de juro sejam um fator exógeno que indivíduos e empresas não controlam diretamente, existem algumas estratégias para mitigar o seu efeito:

7.1. Renegociação de Contratos de Crédito

As famílias ou os investidores podem tentar renegociar as condições do empréstimo, por exemplo estendendo o prazo do contrato, pedindo a alteração para taxa fixa ou procurando spreads mais competitivos. O Banco de Portugal e as associações de defesa do consumidor recomendam analisar estes cenários antes de ocorrer incumprimento.

Dados da Associação Portuguesa de Bancos revelam que em 2023 mais de 50.000 famílias renegociaram as condições dos seus créditos à habitação, um aumento de 300% face a 2021. As renegociações mais comuns incluem:

  • Extensão do prazo do empréstimo (45% dos casos)
  • Conversão para taxa mista ou fixa (30% dos casos)
  • Carência de capital temporária (15% dos casos)
  • Redução do spread (10% dos casos)

No gráfico acima (fonte: BdP), verificamos o que aconteceu com os créditos novos no ano de 2023, altura em que as taxas de juro saíram de valores negativos e chegaram a valores próximos dos 5%. Verificamos que o volume de créditos novos com renegociação ultrapassou o volume de créditos novos sem renegociação, uma situação que não se verificava desde os tempos da crise dos mercados financeiros.

Um exemplo prático: para um empréstimo de 200.000€ a 25 anos restantes com Euribor a 4% e spread de 1%, a extensão do prazo para 35 anos pode reduzir a prestação mensal de 1.055€ para aproximadamente 900€, um alívio mensal de 155€. Esta solução aumenta o custo total do crédito a longo prazo, mas pode ser essencial para a sustentabilidade financeira imediata de muitas famílias.

7.2. Diversificação de Investimentos

Quem investe em imobiliário pode equilibrar o seu portefólio com outras classes de ativos menos expostas à volatilidade das taxas de juro. Ainda que o imobiliário seja visto como um ativo real de longo prazo, é prudente não concentrar todo o património num único tipo de investimento.

Um inquérito realizado pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP) junto de investidores particulares com património acima de 100.000€ mostra uma tendência de diversificação crescente: em 2023, a alocação média a imobiliário direto caiu de 65% para 55% do património, com aumento nas alocações a obrigações, fundos de investimento diversificados e certificados de aforro.

Para investidores profissionais no setor imobiliário, estratégias de cobertura de risco de taxa de juro (hedging) através de swaps ou outros derivados financeiros tornaram-se mais comuns. Segundo a consultora Cushman & Wakefield, cerca de 60% dos investidores institucionais ativos em Portugal em 2023 utilizaram alguma forma de cobertura para os seus financiamentos a taxa variável, comparado com apenas 25% em 2020.

7.3. Projetos de Reabilitação e Eficiência Energética

Apostar em imóveis que, por via de reabilitação urbana ou pela melhoria da eficiência energética, possam ter maior valorização futura e melhores condições de empréstimo (alguns bancos oferecem condições específicas para projetos sustentáveis). Além disso, edifícios com melhor certificação energética podem atrair mais facilmente arrendatários ou compradores, atenuando o impacto negativo de taxas de juro elevadas.

O programa europeu “Renovation Wave” e o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português incluem apoios significativos para a renovação energética de edifícios. Projetos que melhorem a classificação energética em pelo menos duas classes podem aceder a subsídios que cobrem até 40% do investimento.

Um exemplo de sucesso é o de um condomínio em Benfica, Lisboa, onde a instalação de painéis solares, isolamento térmico e substituição de janelas reduziu os consumos energéticos em 45%, aumentando o valor de mercado dos apartamentos em aproximadamente 8% segundo avaliação independente. O retorno do investimento, estimado em 8 anos quando as taxas estavam baixas, ainda se mantém atrativo em cerca de 10 anos mesmo com o atual nível de taxas de juro.

Para investidores, e promotores, estas estratégias podem mitigar o impacto da subida das taxas de juro e criar oportunidades num mercado mais desafiante. Além disso, a adaptação a novas tendências, como a crescente procura por arrendamento e habitação sustentável, pode ajudar a manter a rentabilidade dos investimentos imobiliários.

8. Conclusão

As taxas de juro têm um papel determinante no mercado imobiliário, influenciando diretamente o custo do financiamento, o poder de compra das famílias, a dinâmica da procura e da oferta, bem como a atratividade do setor para investidores. Em Portugal, a recente subida das taxas, após um longo período de valores baixos ou negativos, alterou significativamente o cenário, tornando o crédito à habitação mais oneroso e desacelerando o ritmo de crescimento do mercado.

A curto prazo, espera-se um arrefecimento do mercado, com potencial redução do volume de transações e uma estabilização ou ligeira correção dos preços em algumas zonas. O acesso à habitação tornou-se mais difícil para muitos compradores, o que fortalece a procura pelo mercado de arrendamento, pressionando as rendas em alta. Simultaneamente, o setor da promoção imobiliária enfrenta desafios acrescidos devido ao aumento dos custos de financiamento e ao menor apetite por novos projetos.

A médio e longo prazo, a evolução do mercado dependerá da política monetária do BCE e de eventuais descidas das taxas de juro. Contudo, dificilmente se retornará ao ambiente de crédito barato da última década, exigindo maior prudência por parte de compradores e investidores. Estratégias como renegociação de crédito, diversificação de investimentos e aposta em reabilitação e eficiência energética podem ajudar a mitigar os desafios impostos pelo novo ciclo de taxas mais elevadas.

Por fim, políticas públicas eficazes serão cruciais para garantir um mercado habitacional mais acessível e sustentável. O reforço da habitação pública, incentivos ao arrendamento acessível e medidas que facilitem o acesso ao crédito para jovens compradores poderão desempenhar um papel importante na adaptação a este novo contexto.

O mercado imobiliário português, embora desafiado pelo atual contexto económico, mantém potencial de crescimento a longo prazo, especialmente se for capaz de responder com inovação e resiliência às novas realidades impostas pela evolução das taxas de juro e da economia global.

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