Equilibrar a Equação: uma possível explicação para a escassez habitacional em Portugal

O que temos ouvido sobre o mercado imobiliário em Portugal ultimamente? Isto soa familiar?

A desconfiança cresce ao ver tantos imóveis vazios enquanto a procura de habitação acessível continua a aumentar.

Cada nova construção parece favorecer investidores em vez de resolver os problemas de habitação de quem vive aqui.

Acredito que o mercado imobiliário está a ser manipulado; quem está por trás destes aumentos descontrolados?

Com tantos investidores estrangeiros, será que os portugueses estão a perder lugar no seu próprio mercado?

Parece que alguém está a lucrar com a especulação imobiliária, mas quem é que realmente beneficia? As imobiliárias?

Como vou conseguir uma habitação acessível quando o custo de vida continua a aumentar?

Os investimentos estrangeiros transformaram o mercado; como posso competir e encontrar o meu lugar?

Viver em Lisboa ou no Porto é um privilégio, mas estou disposto a pagar o preço?

Já todos vimos e ouvimos estas perguntas, feitas e repetidas à exaustão, algumas fizeram manchetes de jornal, outras aberturas de Telejornais e a maioria ouvimos em conversas de “café”. Mas será mesmo assim ou existirá uma explicação racional para o que está a acontecer?

O mercado imobiliário explicado pelo modelo dos Quatro Quadrantes

O mercado imobiliário é um mercado “económico”. Significa, pois que a sua dinâmica se rege pela lei da oferta e a procura. Sejam imóveis de habitação ou imóveis comerciais, o seu valor é atribuído não só pelas suas características físicas e geográficas como também pela utilidade que proporciona aos seus utilizadores e proprietários.

A teoria poderá facilmente ser aplicada para o “bem imobiliário”. Variáveis como o número de imóveis disponíveis ou os custos de construção poderão influenciar a oferta, enquanto variáveis tais como o rendimento das famílias poderão influenciar a procura. A sua intersecção dará a quantidade que deverá existir e o preço que deverá ser praticado para que exista um equilíbrio no mercado. Sendo que todas as variáveis se alteram ao longo do tempo, o ponto de intersecção também se altera, sendo necessário fazer constantes ajustes à quantidade que se irão refletir nos preços praticados

Modelo dos 4 quadrantes

Ao analisarmos o mercado imobiliário, encontramos um modelo desenvolvido por DiPasquale e Wheaton em 1992, a que se chamou o Modelo dos 4 quadrantes. Este modelo ilustra como o mercado imobiliário pode alcançar um equilíbrio a longo prazo, levando em conta a sua relação com o mercado financeiro através das taxas de rentabilidade. É importante notar que este modelo não apresenta uma solução fixa, mas sim um processo em constante evolução.

Os autores fazem uma distinção entre duas vertentes do mercado imobiliário: o “mercado de espaços”, que se refere ao uso dos imóveis, e o “mercado de propriedade”, relacionado com a compra e venda dos mesmos.

Usando o mercado imobiliário comercial norte-americano como exemplo, os autores demonstram como a economia e os mercados financeiros podem influenciar os preços de arrendamento, o valor dos imóveis, a quantidade de novas construções e a disponibilidade total de imóveis. Eles argumentam que o preço dos imóveis é sempre afetado pela relação entre oferta e procura. Quando há pouca oferta ou muita procura, o preço dos imóveis tende a subir. O aumento da oferta de imóveis geralmente depende dos custos de construção. Se o preço médio de venda de um imóvel estiver acima do custo de construção, surge a oportunidade para novos empreendimentos. Contudo, assim que a procura do mercado é satisfeita, os preços tendem a descer novamente, ajustando-se ao custo de substituição. Em resumo, a renda dos imóveis está ligada ao mercado de utilização de espaços, enquanto o preço dos imóveis faz parte do mercado de propriedade.

Os quatro quadrantes explicados

Cada quadrante representa um aspeto crucial: a quantidade de casas disponíveis, os preços por metro quadrado, as rendas e o volume de novas construções.

Para além disso é possível relacionar os vários mercados imobiliários aos diferentes quadrantes de forma segmentada em residencial, comercial, industrial e rural.

Com base na teoria deste modelo surge a matriz presente na figura, onde são visíveis os quatro quadrantes os quais podemos explicar da seguinte forma:

Os dois quadrantes do lado direito (1º e 4ª quadrantes) representam a transação dos direitos de utilização do espaço, ou seja, arrendamentos. Por outro lado, os dois quadrantes do lado esquerdo (2º e 3 quadrantes) do diagrama representam o mercado de compra e venda, ou seja, das transações imobiliárias.

Em maior detalhe temos a seguinte relação:

O primeiro quadrante do diagrama, mostra-nos a relação entre o stock dos imóveis existentes e a renda pedida (expressa, em €/m2). Tal como sugerido pela Lei da Oferta e da Procura, quanto maior o stock existente, menor será a renda média pedida por imóvel;

O segundo quadrante do modelo mostra a ligação do mercado imobiliário com os mercados financeiros. É neste quadrante que se obtém a rentabilidade do ativo imobiliário (yield). Essa taxa é comparada com ativos financeiros sem risco, como por exemplo as Obrigações do Tesouro a 10 anos. Significa isto que o valor dos ativos é influenciado pelo valor das rendas, ou seja, se a yield corrente subir e a renda se mantiver o preço do imóvel diminui, por outro lado se a yield diminuir e a renda se mantiver o preço do imóvel sobe.

No terceiro quadrante é expressa a relação entre a construção nova e o preço praticado. Existe um preço mínimo de venda de imóveis para que se justifique o início do processo de construção. Quanto maior o custo de construção, maior o preço exigido.

No quarto quadrante, e último quadrante apresenta-se a relação entre a construção nova e o stock existente. Como esperado, um aumento de volume na construção nova irá aumentar o stock de habitação disponível no mercado. Assim, o stock de habitação poderá crescer através da habitação nova ou descer devido à depreciação dos imóveis antigos. É importante notar, que o modelo de DiPasquale e Wheaton não contabiliza o fator da taxa de ocupação, sendo essa uma das grandes críticas a este modelo.

Resumindo, imaginemos esta situação hipotética: Instala-se uma crise de dívida no mercado financeiro resultado dos ativos imobiliários estarem sobrevalorizados. O mercado ajusta o valor de venda para baixo (2º quadrante), melhora a rentabilidade e aumenta a procura de investidores, mas, os custos de construção são os mesmos. Com isto os promotores\construtores querendo manter a sua margem de lucro não estão disponíveis para construir para aquele preço de venda (3º quadrante). Resultado, menos construção, menos casas no mercado e em stock (4º quadrante). Menos stock, menos imóveis para vender e arrendar, o que significa aumento do valor das rendas (1º quadrante).

A situação parece familiar?

A Economia Atual vista pelo modelo dos quatro quadrantes

Atualmente, a ligação entre os diferentes setores do mercado imobiliário torna-se cada vez mais clara. O contexto económico atual, caracterizado por uma inflação crescente, aumento das taxas de juro e mudanças nas preferências dos consumidores, ressalta a relevância do modelo apresentado por DiPasquale e Wheaton. Com os custos de financiamento a subir, o setor residencial tem enfrentado dificuldades, refletindo uma desaceleração nas vendas e um futuro incerto para novos projetos habitacionais. No entanto, a diversificação nas preferências de habitação, como a procura por imóveis em áreas suburbanas e rurais, indica uma resistência que pode ser aproveitada.

No que diz respeito ao setor comercial, a transformação digital e o aumento do trabalho remoto têm alterado significativamente a procura por espaços de escritório. Muitas empresas estão a reavaliar a necessidade de grandes escritórios físicos, enquanto outros setores, como o retalho, tentam reinventar-se num mundo cada vez mais digital. Este cenário exige que investidores e proprietários de imóveis comerciais sejam flexíveis e inovadores.

Por outro lado, o setor industrial está a prosperar devido às mudanças nos hábitos de consumo. A rápida ascensão do comércio eletrónico e a procura por soluções logísticas eficientes sublinham a importância deste setor no atual ecossistema imobiliário. Este segmento pode beneficiar da tendência de deslocalização, com empresas a procurar centros de distribuição mais próximos dos consumidores.

Simultaneamente, o setor rural apresenta oportunidades únicas, especialmente num momento em que muitas pessoas e famílias estão à procura de opções de habitação mais afastadas dos centros urbanos, em busca de uma melhor qualidade de vida. Esta migração pode ser encarada como uma solução para problemas crónicos das áreas urbanas, como a superlotação e o elevado custo de vida.

Como está o mercado português e será possível encontrar o equilíbrio?

O mercado imobiliário em Portugal à semelhança de outros países é um sistema complexo e dinâmico, influenciado por uma série de fatores interligados. O modelo dos quatro quadrantes que vimos acima é um dos que nos ajuda a visualizar a relação entre oferta, procura, preços e rendas e o comportamento do mercado atual e no futuro. Existem diversos fatores que moldam o nosso mercado.

Teoricamente o aumento dos preços da habitação deveria influenciar os promotores a construir mais, disponibilizando mais imóveis, partindo do princípio de que os custos de construção se manteriam os mesmos ou que as políticas fiscais e governamentais fossem mais vantajosas para o efeito. Verificamos que os custos de construção, após o a pandemia e a guerra na Ucrânia dispararam, não só ao nível das matérias-primas, como também aumento dos custos de mão-de-obra dada a escassez.

Para além disso as políticas governamentais implementadas nos últimos anos e as mais recentes, são contra a criação de maior riqueza neste setor. Quando assistimos a aumentos de impostos associados ao setor, nomeadamente na construção, restrições em determinadas zonas para o uso de espaços (alojamento local), a oferta tenderá a manter-se constante. Mesmo as políticas mais recentes de incentivo fiscal aos jovens, vem atuar apenas no lado da procura. Ora, como vimos no início se a procura aumenta e a oferta se mantém igual, é natural que os preços de venda subam.

Mas, o Estado não deveria intervir no mercado imobiliário? Devia e tem de o fazer, mas de forma racional, a longo prazo e atuando do lado da oferta. O estado devia desburocratizar os processos administrativos para construção e obtenção de licenças, aplicar taxa de IVA reduzida na construção, aumentar o parque habitacional público, à semelhança de países do centro da Europa em que o Estado detém 20 a 30% (Países Baixos – 34%, Áustria – 26% e Dinamarca – 21,4%) do parque habitacional, em vez de 2% como o caso português. Desta forma, poderia colocar habitação com rendas acessíveis e dessa forma influenciar o mercado, dinamizando o mercado de arrendamento.

Por fim, é importante notar que o mercado imobiliário português apresenta desigualdades regionais significativas, com diferenças notáveis nos preços e dinâmicas de mercado entre Lisboa, Porto e outras cidades.

O futuro do mercado imobiliário português será moldado por uma série de fatores, incluindo:

  • Envelhecimento da população: A diminuição da população jovem e o aumento da população idosa podem levar a uma mudança nas preferências por tipo de casa e localização;
  • Alterações climáticas: A crescente preocupação com as alterações climáticas e a necessidade de adaptar as cidades a novos desafios ambientais vão impulsionar a construção de edifícios mais eficientes energeticamente e resilientes;
  • Digitalização: A digitalização do setor imobiliário, com o uso de plataformas online e tecnologias como a realidade virtual, está a transformar a forma como as pessoas procuram e compram casas.

Conclusão

O mercado imobiliário português é um sistema complexo e dinâmico, sujeito a influências globais e locais. Para tomar decisões de investimento ou políticas públicas informadas, é fundamental compreender as suas dinâmicas e estar atento às mudanças nas políticas governamentais, nas preferências dos consumidores e nas condições económicas.

O modelo dos quatro quadrantes do imobiliário de DiPasquale e Wheaton permanece um recurso crucial para compreender o mercado imobiliário contemporâneo e as suas inter-relações com a economia. À medida que enfrentamos novos desafios económicos e sociais, a capacidade de visualizar e interpretar as dinâmicas específicas de cada quadrante proporcionará perspetivas valiosas para decisões informadas no sector. A resiliência e a adaptabilidade tornam-se imprescindíveis, não apenas para sobreviver, mas também para prosperar num cenário que está longe de ser previsível. Aqueles que abraçarem a complexidade e a diversidade oferecidas por este modelo estarão melhor posicionados para aproveitar as oportunidades emergentes num mundo imobiliário em constante evolução.

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